Crise imobiliária? A culpa não é da economia.

crise no mercado imobiliario

O mercado imobiliário, como todo o resto na vida humana, é formado por crenças e fatos construídas ao longo de gerações. No Brasil é sem dúvida o investimento preferido pela maioria da população:

“Imóvel é o investimento mais seguro que existe”, ou “Os imóveis sempre valorizam”, e ainda “Quem compra terra não erra”.

Quanto mais antigo um setor, mais difícil quebrar os paradigmas sobre ele. Quando uma coisa funciona bem por muito tempo, temos a tendência de pensar que será eterna, infalível. Se começa a andar mal, procuramos atenuantes circunstanciais que nos tragam conforto para um futuro próximo, dizendo: Isso vai passar.

Certo dia recebi um cliente que me contou a estória de quando possuía 5 laboratórios fotográficos. Ele me perguntou se eu sabia o que havia acabado com o negócio dele e respondi sem hesitar - A câmera digital!

- Errado. Quando as câmeras surgiram as pessoas continuaram imprimindo fotos. Queriam mostrar para os amigos e parentes. O que acabou com meu negócio foi o ORKUT! - Me explicou, resignado.

Pasmem! É óbvio, quando colocamos em perspectiva. No dia que colocamos a primeira foto online, nas mídias sociais, não precisamos imprimir mais nada. Estava enterrado o negócio de impressão de fotos. Era o fim de uma indústria centenária.

“A Kodak foi fundada em 1888”

O que acabou com a impressão fotográfica, não foi a tecnologia. Esta apenas deu suporte à mudança cultural que decretou seu fim. A câmera digital aliada à internet criou um novo hábito nas pessoas, que é o compartilhamento online de imagens, popularizando exponencialmente a fotografia e em muitos casos até a tornando uma obsessão.

Segundo a Goldman & Sachs, em seu estudo sobre Millennials, dentro de 25 anos carros privados serão uma anomalia.

Da mesma forma, quem achou que a indústria de automóveis seria substituída por naves voadoras ou teletransporte errou feio. A grande revolução tecnológica no transporte também é comportamental. Além de veículos elétricos e autônomos tornando o trânsito melhor, as pessoas deixarão de possuir carros.

-Ah! Mas EU nunca vou deixar de dirigir! Eu amo carros! - Provavelmente você será PROIBIDO de dirigir. Num trânsito organizado por computadores, onde placas e semáforos nem precisam existir, um ser humano dirigindo seria um grande problema para os carros autônomos.

Simples assim. E essa mudança será tão rápida quanto foi a morte da fotografia, não se iluda. As mudanças estão chegando em ritmo cada vez mais acelerado.

Na Inglaterra a idade média com que o cidadão tira sua permissão para dirigir já está em 26 anos. Nos EUA o índice de adolescentes com habilitação caiu de 46.2% em 1983 para 24.5% em 2016. Cidades como São Paulo, que têm alto custo de estacionamento, seguro e tolerância zero para consumo de álcool, estão vendo os serviços de manobristas desaparecerem, à medida que a população rapidamente adere aos serviços do tipo UBER. Garagens também estão à míngua. Entre 2013 e 2016 a emissão de bilhetes Zona Azul da Prefeitura de SP caiu 27% e o faturamento dos estacionamentos chegou e diminuir até 40%.

“No corredor da morte temos ainda agências de turismo, corretores de imóveis, despachantes, carteiros, serviços de intermediação em geral e o próprio emprego formal.”

Podemos continuar citando muitos outros exemplos, mas o ponto é que as mudanças são rápidas e irreversíveis quanto trazem conforto e vantagem econômica ao consumidor. Porém, paradoxalmente, enquanto nos acostumamos com rapidez às inovações que nos beneficiam reduzindo nossos CUSTOS, parecemos ainda extremamente reativos em aceitar aquelas que afetam nossas RECEITAS.

Tanto empresas quanto pessoas físicas, ou o que chamamos de mercado, resistem em aceitar que seu modelo de negócios está falido e se tornou peça de museu na história da economia.

"Os primeiros humanos demoraram mais de um milhão de anos para progredir desde a descoberta do fogo até a invenção da roda. Depois levaram apenas alguns milhares de anos para inventar a prensa gráfica. E então demoraram apenas duas centenas de anos para construir um telescópio. Nos séculos seguintes, em períodos cada vez menores, saltamos da máquina a vapor para os automóveis a gasolina e para o ônibus espacial! E então foram necessárias apenas duas décadas para começarmos a modificar nosso próprio DNA!"

Dan Brown, Origem.

Estudos do Banco Credit Suisse sugerem que 25% dos shopping centers americanos estarão fechados em menos de 5 anos, criando um processo de degentrificação - ou favorecimento de pequenos comércios e imóveis mais acessíveis, numa retomada da cultura de “bairro”. É verdade que os EUA tem uma das maiores densidades de shopping per capita do mundo, mas seria muito bom dar uma olhada de perto nas mudanças culturais que estão por trás desse fator antes de investir num modelo semelhante. Dizer que no Brasil as coisas são diferentes ou que aqui vai demorar muito para as mudanças chegarem, significa fazer um aposta muito alta de patrimônio baseado num palpite que vai na contramão dos fatos mundiais.

“A crise imobiliária recebeu um pontapé inicial da crise econômica e da supervalorização dos imóveis, mas o fator determinante são as mudanças culturais

Três fatores formaram a tempestade perfeita para o mercado imobiliário. A crise econômica afeta obviamente de maneira direta o mercado todo. Empresas fechando ou reduzindo custos não podem ser ignoradas. Junte-se a isso uma supervalorização que quase triplicou o valor dos imóveis entre 2004 e 2015 acima da inflação, tornando impossível para muita gente manter o padrão de moradia. Muitos comerciantes se viram obrigados a entregar os pontos (com perdão pelo trocadilho) e chegou-se ao ponto de proprietários morarem em apartamentos que eles próprios não teriam dinheiro para comprar, de tão caros que se tornaram.

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Com preços em alta, investidores ávidos e a promessa do país se tornar uma mistura de Dubai com Nova Iorque, refletida na célebre capa do The Economist de 2009, as construtoras entraram num frenesi de lançamentos e IPO´s, gerando uma oferta que logo se tornou maior que a demanda.

Porém ainda falta concatenar o terceiro, mais importante e totalmente negligenciado causador do colapso imobiliário: As mudanças culturais.

Da mesma forma que as pessoas não vão mais comprar carro, deixarão de utilizar dinheiro e não imprimem mais suas fotos, o uso dos imóveis também está mudando drasticamente.

Vejamos alguns exemplos que podem ser comprovados empiricamente:

  • Os bancos fecham agências e migram para a internet;

  • O comércio reduz lojas e migra para o e-commerce;

  • As escolas reduzem suas estruturas e apostam no ensino à distância;

  • Os estacionamentos perdem espaço para carros compartilhados;

  • Hotéis competem com empresas como o AirBnB;

  • A prestação de serviços se torna cada vez mais virtual;

  • Escritórios tradicionais adotam o modelo de Coworking;

  • Serviços de intermediação desaparecem com a tecnologia P2P;

  • O mercado residencial começa a investir no Co-Living;

É fácil concluir que todos os setores da economia estão reduzindo o consumo de área construída (vide gráfico). O mundo simplesmente está precisando de menos m2, numa busca por eficiência, sustentabilidade e claro, redução de custos.

Some a isso uma queda constante na taxa de natalidade mundial, novos formatos de trabalho em rede, estruturas descentralizadas, home offices, hot desks (a mesa é de quem pegar, não existe lugar fixo no escritório) e tantas outras mudanças promovidas pela tecnologia e a economia de compartilhamento.

Um terço do mundo já é formado por millennials que não querem mais ter a posse de bens e todo o fardo econômico que ela representa. Ao invés disso desejam acesso a eles, quando e onde lhes for mais conveniente, pagando apenas pelo uso necessário.

Área média ocupada por trabalhador nos escritórios Americanos em pés-quadrados. 151 pés = 14m2.

Diante desse cenário não espanta que a taxa de vacância dos imóveis comerciais em São Paulo chegue a 25% e no Rio de Janeiro alcance inacreditáveis 40% em alguns setores.

Rentabilidade em queda

Com a supervalorização dos imóveis é normal que ocorra uma reacomodação dos preços em direção aos valores “pré-bolha”. A alta taxa de vacância aumenta a concorrência entre locadores, força a baixa de preços, e ainda pior, derruba a rentabilidade média do imóvel. Imagine que hoje uma sala comercial fora dos grandes eixos comercias da cidade custa R$ 40,00 o m2 da locação. Se 25% dos imóveis estão vagos, em média, perde-se R$ 10,00 do valor. Só que este 1/4 ocioso CUSTA entre condomínio e IPTU pelo menos R$ 20,00/m2 ao mês, o que na média equivale a MENOS R$ 5,00/m2 na rentabilidade. Ou seja, seu imóvel de R$ 40,00 está rendendo apenas R$ 25,00 ANTES dos impostos. Para quem comprou imóveis acima de R$ 10.000,00/m2 o rendimento pode ficar abaixo de 0,2% ao mês. Muitos proprietários estão optando por vender e investir em aplicações conservadoras do mercado financeiro. Este movimento de OFERTA derruba ainda mais o valor de mercado e torna o investimento imobiliário, neste momento, um mico.

 
Preço de venda dos imóveis desvaloriza quase 10% em relação ao IGP-M dos últimos 12 meses. Índice FIPE-ZAP 2018.

Preço de venda dos imóveis desvaloriza quase 10% em relação ao IGP-M dos últimos 12 meses. Índice FIPE-ZAP 2018.

 

Segundo a maior administradora de imóveis do mundo, a JLL, 30% dos escritórios serão flexíveis até 2030

E quase 30% das áreas de escritório absorvidas nos Estados Unidos nos últimos 18 meses foram ocupadas pelo segmento de coworking. Ou seja, um país que não vive o revés de uma crise econômica aponta claramente a tendência de uma mudança de cultura empresarial, onde o patrimonialismo e os altos custos diretos e indiretos de manutenção de um escritório próprio não fazem mais sentido. A WeWork, gigante do coworking, tornou-se rapidamente o maior inquilino do mundo, em países onde a economia também vai muito bem obrigado. Modismos raramente resistem à lógica econômica; tendências, sim.

Os inquilinos já mudaram seu paradigma, falta agora os proprietários.

O resultado de tudo isso é que o consumidor já decidiu que não quer mais ser um INQUILINO, ele agora é um CLIENTE e não vai voltar atrás. Este cliente está em busca de serviços, não de imóveis. Ele quer uma solução para sua demanda de trabalho e não um problema a mais administrando obras e fornecedores. O inquilino sempre enfrentou burocracia, altos custos e um atendimento sofrível por parte das imobiliárias. Poucos deles relatam experiências agradáveis locando um imóvel. A locação tradicional engessa a empresa, que por natureza deve ser dinâmica, e encarece demais a operação e os esforços, que deveriam estar focados no core business do empresário. Cada vez que uma empresa aluga, devolve ou muda de escritório, pequenas fortunas são gastas com obras e mobiliário, o desperdício global é enorme, além de anti-sustentável para o planeta. Este modelo perdurou por muito tempo por absoluta falta de opção, mas hoje existe uma alternativa chamada COWORKING e muitas outras ainda devem surgir. É muito mais sustentável, lucrativo e econômico para TODOS que o imóvel seja um produto reciclável e reutilizável, do tipo one size fits all. O consumidor já entendeu isso.

O que vem pela frente?

Uma economia a pleno emprego precisa trabalhar. Mas qual será a nova realidade até lá? Quanto tempo vai levar? Quanto custa manter um imóvel vazio? O quão competitivo será seu produto imobiliário nesta nova economia?

Hoje 1/4 da área construída da cidade é ocupada por automóveis que estão prestes a morrer. Imagine quando toda esta área gigantesca se tornar ociosa? Até mesmo médicos, dentistas e profissionais da saúde estão migrando para modelos compartilhados. E os altos custos de condomínio que além de não recuarem ainda derrubam a rentabilidade do aluguel? E os shoppings que estão fechando?

É preciso repensar o modelo de toda a cadeia imobiliária.

Será que o coworking é a solução definitiva, então? Provavelmente não. O coworking causou uma revolução na utilização dos espaços de trabalho. Tem uma importância fundamental nas mudanças culturais, ao apresentar uma alternativa mais racional ao inquilino, mas já faz parte do passado, visto que já existe no Brasil há cerca de 10 anos. É preciso olhar para frente e se antecipar às mudanças para vislumbrar o futuro e as novas alternativas do mercado imobiliário. Mesmo grandes empresas de coworking podem cometer erros se calcarem seus modelos de negócio em paradigmas ultrapassados, com alto custo de CAPEX e operação. Hoje os imóveis comercial são os mais afetados pelas mudanças, mas como será a moradia do futuro? O comércio? O lazer? Alguém ousa dizer que nada mais vai mudar?

Uma ferramenta fundamental no processo é o Design Thinking, que tem a capacidade de criar soluções a partir da integração de todos os atores do mercado. Não adianta uma construtora ter uma ideia genial se o consumidor final, o investidor, o arquiteto, o corretor, a municipalidade, o porteiro e todos os demais envolvidos não participam e se engajam na solução. As novas respostas devem servir a todos.

O que o mercado precisa hoje é de uma nova mentalidade, uma visão de futuro e um novo modelo de negócios capaz de se adaptar constantemente às mudanças do mundo.

A nova economia exige horizontalidade, flexibilidade e organicidade, além de todos os benefícios e inovações proporcionados pela tecnologia e a economia de compartilhamento.

A realidade está nos chamando a pensar diferente e eu modestamente tento dar minha contribuição, convidando todos curiosos e realizadores a participar da solução.

Ricardo Comissoli é pioneiro em coworking no Brasil, fundador do Estúdio Capanema e da Reflow.

Ricardo Comissoli é pioneiro em coworking no Brasil, fundador do Estúdio Capanema e da Reflow.