O futuro do mercado imobiliário

Projeto de Zaha Hadid

Projeto de Zaha Hadid

A grande discussão do momento é: quando o mercado imobiliário vai retomar?

Minha resposta é - não vai. Não como era antes.

Entidades e empresas se esforçam para peneirar números otimistas nas estatísticas. Vendas aumentaram 2% em relação a… Lançamentos crescem 5% em relação a… Mercado otimista com relação a…

Não se pode negar que o otimismo é louvável e toda especulação é relativa, por natureza. A maioria compara dados atuais com o pior período da história, tornando quase impossível um resultado negativo. Muito mais importante que tentar entender quando o mercado vai retomar, porém, é discutir COMO isso vai acontecer.

É a mesma lógica que observamos no mercado de trabalho. Existe uma grande preocupação com os níveis de desemprego que sempre são associados ao crescimento da economia. Mas raramente se discute se, ocorrendo um reaquecimento da economia, a massa desempregada estará APTA a retornar ao mercado. Muitas pessoas ou profissões simplesmente se tornaram obsoletas.

Portanto não basta haver crescimento econômico. É preciso entender a conjuntura sócio-cultural, que tem modificado radicalmente os hábitos e o mercado, como já discutimos nesta matéria sobre a crise imobiliária e cujo raio-x está muito bem sintetizado neste estudo da Goldman & Sachs.

No outro lado da balança temos as leituras e o movimento próprio do mercado financeiro. O problema é que o mundo das finanças é um sistema fechado em si, que opera dentro de uma lógica própria e que muitas vezes falha ao perceber a própria realidade e suas tendências, ou “coisas do povo de humanas”.

A maior prova disso são as bolhas. A bolha da Internet em 1999, a bolha dos Subprimes em 2008 e possívelmente a bolha que está em formação neste exato instante na Bolsa de Valores Americana.

Olhando para trás tudo isso parece bastante óbvio, mas a verdadeira questão é: como um mercado com tantos analistas e serviços de inteligência milionários não é capaz de enxergar o desastre óbvio e eminente? Até a Rainha da Inglaterra perguntou - Como ninguém viu nada disso chegando?

Recentemente escutei um executivo de uma das maiores gestoras do pais dizer que bolhas são inevitáveis e recorrentes. - Oi? É tão inevitável quando pegar sarampo se você se recusa a tomar a vacina.

E neste caso a vacina é abrir mão de paradigmas antigos e quase imutáveis e assumir uma visão muito mais ampla do mercado, incluindo uma visão holística de aspectos psicológicos e comportamentais, como sugerido pelo Prêmio Nobel de Economia, Richard Thamer. Porque a vida real é feita de números e pessoas e todos os gráficos de tendências do mundo não podem prever a reação público diante de mudanças culturais inesperadas.

O maior erro que podemos cometer é prever o futuro com base nas estimativa do passado. Ou seja, dizer que - sempre funcionou assim.

Outro exemplo claro de um erro de avaliação do mercado: uma grande gestora tem em sua carteira o que considera as mais sólidas ações do mercado, incluindo duas grandes empresas de Shopping Centers. A lógica financeira parece perfeita - previsão de crescimento na economia = mais pessoas comprando no shopping. Mas e se acrescentarmos algumas variáveis na fórmula? Vamos tentar com X=e-commerce, Y=millennials e Z=degentrificação?

De forma muito sucinta vou apenas dizer que o e-commerce está avançando velozmente sobre as lojas físicas, a Amazon já superou em valor de mercado o maior varejista do mundo, Walmart, que por sua vez contra-atacou fechando lojas físicas e investindo pesado no comércio online. Já os millennials tem hábitos de consumo completamente novos e respondem por 1/3 da população mundial. Indo direto ao ponto: eles não gostam de shopping, estão mais interessados em adquirir experiências do que produtos e quando precisam de algo, compram online.

Em estudo sobre o setor, o Banco Credit Suisse afirma que 1/4 dos shopping americanos estarão fechados até 2023, e analistas da Goldman & Sachs estimam que, com seu fechamento, os Malls, inicialmente responsáveis por um processo de gentrificação dos bairros, vão agora inversamente "…causar uma degentrificação, por falta de uma palavra melhor. Vamos ver os aluguéis cairem, e as lojas [administradas através] de mães e pais, voltarão de uma maneira muito mais selecionada e pessoal, alinhadas com a idéia de criar um ótimo serviço, aliado ao senso de comunidade e ao desejo de apoiar o seu entorno".

Resumindo, o ponto aqui não é derrubar ou corroborar a tese da administradora em basear seus fundos em ações de Shopping Centers ou Construtoras, mas iniciar um debate crítico sobre os paradigmas do mercado e a forma como tomamos decisões e avaliamos o futuro, mostrando que análises teoricamente sólidas e o senso comum podem ser colocados em xeque.

Agora vamos pensar no futuro do mercado. O que temos hoje?

  • Uma nova geração que se relaciona com a propriedade e o consumo de forma totalmente nova;

  • A redução contínua do consumo de área construída per capita, especialmente comercial;

  • O fim anunciado dos carros e a liberação de áreas enormes de estacionamento;

  • A migração de diversos setores da economia para o meio digital;

  • Uma queda constante na taxa de natalidade média mundial;

E de onde estamos vindo?

  • O mercado brasileiro viveu uma bolha imobiliária com aumento de 200% do valor dos imóveis;

  • Foi entregue um estoque enorme de imóveis muito acima da capacidade de absorção do mercado;

  • Ainda hoje construtoras estão entregando imóveis que foram incorporados há mais de 5 anos e portanto ainda carregam os custos inflacionados;

  • O resultado são aluguéis em queda com valores de venda muito altos ainda, o que é péssimo para investidores;

  • A vacância comercial em SP é de 25% e no RJ chega a 40%;

Para onde vamos então?

Aqui começa o nosso exercício de futurologia. É isso que o mercado faz o tempo todo: tenta adivinhar o futuro. Mas novamente, repito - Não adianta tentar fazer isso baseado no passado.

Agora mesmo, como falei no início, o mercado está buscando uma visão positiva nos números e estatísticas. É natural, faz parte do processo de sobrevivência, é preciso ser otimista e resiliente. Mas pergunte a qualquer profissional do meio como está o mercado AGORA - Está terrível!

Será que o apocalipse está próximo então? Se você insistir em fabricar rolos de filme fotográfico numa era de câmeras digitais, provavelmente será aniquilado num piscar de olhos.

O sucesso ou o fracasso vem da capacidade individual de analizar a conjuntura, antever o futuro, se adaptar e acima de tudo criar soluções para as novas necessidades que estão por vir. Quando falo em criar soluções não significa adivinhar se as pessoas vão dormir em pé ou sentadas, se vão morar em casa ou condomínio, não me refiro ao formato dos produtos mas sim a como será a relação delas com o mercado e o consumo, ou seja, quais serão os novos modelos de negócios.

Paradoxalmente o mercado de ações vive de transações cada vez mais rápidas, onde papéis mudam em segundos, mas continua ancorado em empresas que precisam de uma visão de décadas para construírem resultados sólidos.

Está bem claro que o modelo de locação tradicional está falido. Inquilinos, imobiliárias, corretores, contratos, fiadores, reformas, fianças, lei do inquilinato, disputas e todo sistema arcaico e engessado, que compõe o mundo do aluguel, está sendo rejeitados frente a soluções muito mais amigáveis e flexíveis para o consumidor - Coworking, AirBnB, Co-Living, Sharing Economy, e por aí vai.

Exercitando a futurologia:

O ser humano busca acima de tudo qualidade de vida. Nada parecido com os cenários futuristas de filmes como Blade Runner, com prédios gigantescos, cidades escuras e hiper-lotadas. Estas imagens, assim como as megalópolis atuais, foram projetadas sobre velhos paradigmas e a velha economia. É como tentar imaginar o futuro baseado na tecnologia da máquina a vapor.

Entramos numa era de redução drástica de consumo de área construida. Os prédios já estão sobrando. A nova economia é virtual. Trabalha-se de qualquer lugar. Os espaços existentes tendem a ser otimizados, equipamentos gigantescos estão miniaturizados e é uma questão de sobrevivência da humanidade tornar-se mais sustentável.

Antigamente cada indivíduo precisava de um imóvel para morar, outro para trabalhar, mais um para fazer compras, outro para estudar, alguns para cuidar da saúde e do bem-estar, assim por diante. Precisávamos construir uma cidade muito maior que o número de habitantes, com uma ociosidade enorme.

Agora os estabelecimentos começam a se tornar multi-função. As empresas virtuais. Empregados viram empreendedores. As distâncias são relativas. O mesmo local pode ser restaurante, mercado, coworking, local de eventos e entretenimento noturno - tudo ao mesmo tempo.

Se hoje temos 25% de vacância, imagine quando os automóveis particulares acabarem, liberando mais 25% de área construída? Metade da cidade vazia? Quantos milhões de metros quadrados ociosos?

CAPÍTULO I - O RETROFIT

O primeiro reflexo do excesso de imóveis comerciais, será uma conversão destes espaços em áreas residenciais. Os incorporadores priorizarão projetos de moradia e pressionarão a prefeitura para facilitar a mudança de uso. A inadimplência do IPTU deve ajudar no convencimento da municipalidade. Proprietários finalmente comparecerão a reuniões de condomínio a fim de discutir propostas de redução de custo. A palavra mais importante a qual devemos estar atentos a partir de hoje é RETROFIT.

CAPÍTULO II - VALOR EM QUEDA

Os preços estão caindo. Além de estarem muito acima do valor real do mercado, serão pressionados pelo excesso de oferta. O valor dos imóveis vai acompanhar a queda atual dos aluguéis. Imóveis já deixaram de ser um investimento interessante, levando o capital para outras opções do mercado. O pior é que imóvel vacante PESA no bolso do proprietário e a medida que ele tenta vendar seus ativos para mudar de aplicação, os preços caem ainda mais. É uma reação em cadeia.

CAPÍTULO III - MAIS QUALIDADE

Queda de preços e excesso de oferta tem o seu lado bom. A qualidade de vida deve aumentar, fomentando um processo de “fly-by-quality” onde o consumidor inicia a troca do imóvel atual por outras opções maiores e mais confortáveis, motivado pela percepção de baixo custo. O aperto das famílias nos apartamentos urbanos deve receber uma folga. Mesmo assim não subestimemos a nova cultura. Quarto de emprega já é coisa do passado, garagem nem pensar e a preferência será pela praticidade, racionalidade e mais áreas verdes.

CAPÍTULO IV - MIGRAÇÃO

Após todo acomodamento das novas áreas ainda haverá muito espaço sobrando. A mobilidade deixará de ser um problema com o fim do trânsito. O trabalho a distância ou virtual levará mais pessoas para o interior em busca de qualidade de vida maior e custos menores. Novas tecnologias de transporte público vão surgir e as cidades talvez iniciem guerras fiscais para atrair moradores.

CAPÍTULO V - A REVOLUÇÃO URBANA

Por fim as cidades terão que ser repensadas. Sem necessidade de novas construções, com o desafio de fomentar a economia e os impostos, de reter cidadãos e empresas, e com um mercado consumidor ávido por mais qualidade de vida, bairros inteiros serão remodelados. Quarteirões repletos de prédios velhos e de baixa qualidade darão espaço a parques e praças, área verdes aliando comércio, lazer e cidadania. O valor dos novos imóveis será criado não pela escassez de terrenos, mas pela quantidade de bem estar agregado. Incorporadores continuarão retrofitando espaços cada vez maiores, graças ao baixo custo da terra e às novas exigências do mercado consumidor e da municipalidade.

Se este cenário parece idílico para o Homo Urbanus e ao mesmo tempo aterrorizante para as empresas que vivem da construção e da especulação imobiliária, vamos lembrar que não é nada diferente do desafio enfrentado por todo o sistema capitalista - que pressupõe um crescimento constante (e portanto infinito) da produção em um planeta de recursos limitados. Isso não tem nada a ver com ideologia política, é a realidade nua e crua. O ser humano precisa (e vai, como sempre) encontrar novas formas de se adaptar e reinventar a sociedade, crescendo como espécie racional e consciente do meio onde vive e do qual depende.

Se hoje uns poucos países mais desenvolvidos estão na dianteira do redesign das cidades - não só através da tecnologia (com a criação das Smart Cities) mas também através de processos mais sustentáveis, melhor uso do solo, transporte, agricultura de alto desempenho, etc - muito em breve veremos todas as cidades do mundo enveredarem pelo mesmo caminho, pois este é o curso da evolução.

Portanto, ainda que suas ações possam estar aumentando no mês que vem, ou que os analistas estejam eufóricos com a retomada da economia, não deixe nunca de manter um olho no futuro e questionar tudo que fuja da lógica econômica e do confronto com a realidade.

O mundo sempre muda e nada é para sempre.

[ Por Ricardo Comissoli - ricardo@reflow.me ]